por Saul Leblon (*)
Dos partidos da oposição, o único que aceitou o convite da Presidenta Dilma para conversar sobre o Brasil e a reforma política foi o PSOL.
Demotucanos e assemelhados declinaram.
Os campos se definem em relação às ruas.
Caminha-se para um realinhamento da cena política brasileira.
Se a conversa Dilma/PSOL abrir espaços para um aggiornamento à esquerda da governabilidade, algo de inestimável importância terá acontecido nos dias correm.
Alegam PSDB, Demos e PPS não ter sobre o que conversar.
Faz sentido.
Dilma pretendia ouvi-los sobre a convocação de um plebiscito para estreitar a aderência do sistema político às ruas.
‘Ora direis ouvir as ruas’, replicam demotucanos em sua esférica coerência.
Ouvir as ruas é tudo o que o credo neoliberal entende que não deva ser feito nessa hora; em qualquer hora.
A escuta forte da sociedade soa como dissonância chavista aos ouvidos congestionados pela cera secular conservadora.
A democracia para esse sistema auditivo é um ornamento.
Um adereço nos colóquios dos salões elegantes. Um caramelo, após o cafezinho.
Nos dias que correm, a democracia é a citação de rodapé da judicialização da política.
Sobretudo, a democracia destas siglas gêmeas deve lubrificar a obediência da sociedade aos livres mercados.
É o oposto do que pensa a tradição socialista: a democracia cresce justamente quando escapa aos limites liberais e se impõe como força normativa aos mercados.
Ganha relevância assim.
Quando assume o papel de contrapeso histórico aos apetites rapinosos do dinheiro grosso.
É democracia de fato ao romper a película liberal para se tornar, também, democracia social.
O extremo oposto conservador entende que ouvir as ruas é algo que só cabe em doses módicas.
Com o dinheiro a cerzir as amarras entre o presente e o futuro.
De quatro em quatro anos.
Nunca em ciclos curtos, ou de crise, quando o mais aconselhável são as elites – no limite, os quartéis - assumirem a tutela da vontade popular.
Consultas regulares à cidadania e tudo o mais que possa tornar volátil o mando e o comando devem ser execrados.
Volatilidade é uma prerrogativa dos capitais.
Irrepartível.
À política cabe a tarefa de calcificar o poder e embalsamar a sociedade.
Editoriais de O Globo, Estadão e Veja, ademais de centuriões da mesma extração, uivam a rejeição ao plebiscito e à Constituinte.
O que lhes interessava das ruas, as ruas já deram.
O Datafolha, no calor da Paulista, recompôs a chance de um 2º turno em 2014.
A narrativa tratou de ofuscar o ruído de longo curso, subjacente ao desabafo da hora: se candidato, Lula levaria de 1ª, com 46% dos votos.
A Folha entendeu; e tanto que escondeu o tropeço na primeira página. E pisoteou a informação nas entrelinhas internas.
É preciso desfrutar a ‘colheita’, crua, se necessário, para não desperdiçar a janela de oportunidade.
Interesses que operam no sentido de subtrair fatias de poder à democracia estão satisfeitos com o saldo.
Há mais de 30 anos tem sido hábeis em interditar o debate das grandes escolhas do desenvolvimento.
Para isso, escavaram fossos intransponíveis entre a soberania nacional e a supremacia das finanças desreguladas no circuito global.
Assim se assegurou a hegemonia do poder extra-ruas.
Por que abririam mão dele justamente agora, em pleno divisor de ciclo, quando linhas de passagem terão que ser erguidas em direção a um novo projeto de desenvolvimento?
O ‘não’ ao convite de Dilma encerra a solidez de uma coerência histórica.
A contrapartida cabe à esquerda.
A sorte do país e o destino de sua democracia dependem, em grande parte, do desdobramento concreto que o diálogo simbólico entre Dilma e o PSOL produzir na unificação da agenda progressista brasileira.
Não apenas para articular a reforma política. Mas para democratizar o crucial debate sobre o passo seguinte da luta pelo desenvolvimento.
A ver.
(*) Saul Leblon é jornalista e escreve para o Portal Carta Maior
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