segunda-feira, 10 de junho de 2013

A estratégia que nos permitiu celebrar o balanço da década

Por Leopoldo Vieira e Leonardo Pinho

Com o ciclo aberto com a Revolução de 30, que derrotou as oligarquias agrárias hegemônicas no processo de proclamação da República, o capitalismo brasileiro experimentou um desenvolvimento industrializante que transformou o Brasil na 8a potência econômica do mundo, porém com uma disputa que se desenrolou desde o fim do Estado Novo no interior das classes dominantes, remontando aos vencidos e vencedores de 30, sobre como formatar o país,: se de modo mais soberano e social ou se de forma subalterna e livre-cambista.

De todo modo, esse desenvolvimento foi marcado pela combinação de tendências modernizantes com estruturas atrasadas e não conseguiu forjar um modelo para todo o país do ponto de vista social e regional.

Com a derrota da primeira corrente em 1964, foi vencedor um capitalismo conservador e antidemocrático, associado de maneira subalterna ao capital internacional estadunidense e europeu, de costas para a América do Sul e para o nascente Terceiro Mundo, voltado à exportação, para o alto poder aquisitivo, com notável concentração da renda.

O tripé econômico da ditadura, baseado no capital estatal, nacional e internacional reunificou a burguesia e, enquanto durou o Milagre Brasileiro, assegurou o rumo.

Quando este modelo entrou em crise, na década de 70, a burguesia não reagiu homogeneamente e se abriu uma fenda no sistema de dominação, através da qual penetraram as forças democráticas e populares, de onde brotou o PT, a CUT, o MST, a transição democrática, a Anistia, a legalização dos partidos e a Constituinte, na qual os movimentos sociais, com forte empenho da bancada petista, asseguraram um sistema de direitos.

A ameaça de derrota em 1989 impôs uma unidade em torno do projeto neoliberal, entretanto, com o aprofundamento da crise mundial em meados de 90, começaram fissuras entre o setor industrial historicamente incentivado pelo Estado e a dinâmica financeiro-rentista, entre os grupos econômicos mais e menos beneficiados e/ou prejudicados pela agenda neoliberal. A unidade foi quebrada e setores dela procuram alternativas políticas. O renascimento de correntes nacional-desenvolvimentistas resulta dessa busca.

Concomitantemente, a propaganda neoliberal subseqüente à derrota do Leste Europeu colocou a esquerda na defensiva. O clima de ascensão observado nos anos 80 foi substituído pela resistência e crise das utopias.

Para vencer e governar não basta know how, é preciso savoir faire

Assim, o discurso da aliança com os setores oposicionistas ao neoliberalismo virou a possibilidade real de uma nova agenda para a esquerda. Poderia se abrir uma outra era de desenvolvimento aproveitando-se das condições da crise, como o déficit de infraestrutura, mercado interno reprimido, parque industrial deteriorado e com capacidade ociosa, potencial de mercado consumidor de massas, desvalorização e arrocho salarial, relação comercial pequena com mercados sul-americanos, africanos e asiáticos; redução dos investimentos e serviços públicos e capacidade estatal de regular, agir e planejar.

Isso dependeria da capacidade dos trabalhadores disputarem o setor que pudesse favorecer um projeto que dialogasse com as reivindicações do mundo do trabalho. Num país marcado pela propaganda do Estado Novo, pelo desenvolvimentismo democrático de JK e pelo discurso da ditadura, seria também um grave erro desconsiderar o nacionalismo como parte do imaginário e da vontade coletiva a ser mobilizada já que, em períodos anteriores, os trabalhadores foram hegemonizados por setores burgueses de orientação nacional-desenvolvimentistas que deram forma ao trabalhismo democrático.

Trabalhismo este que deixou um legado extraordinário a ser aprimorado, como a CLT que, como marco legal, completou a Abolição; o Código Brasileiro de Telecomunicações - cujos  vetos do Congresso surtem efeitos nocivos à sociedade até hoje - assim como o projeto de lei sobre o tamanho e posse de terras e quanto ao limite da remessa de lucros ao exterior.

A fissura entre a classe dominante e a  agenda neoliberal em nível internacional colocaram a necessidade de se construir um novo Bloco Histórico. A questão era qual classe seria capaz de liderá-lo. A  classe trabalhadora e seu principal partido, o PT, estariam à altura de liderar essa alternativa ao neoliberalismo com chance real de poder?

Para não desperdiçar a oportunidade de vitória, apresentar-se como alternativa ao neoliberalismo foi uma estratégia para unificar esse Bloco e ter como aliados setores da burguesia com diversos graus de conflito com a ciranda financeira. Com um EUA já sem maiores pretextos intervencionistas, uma esquerda taticamente menos “bélica” poderia obter sucesso.

Era essencial aglutinar em torno do PT, além da tradição comunista, do trabalhismo democrático e do socialismo constitucional, as diversas representações políticas da sociedade em nível local e, em nível nacional, manter as classes dominantes cindidas para derrotar a contradição fundamental - o projeto neoliberal - e aspecto principal da contradição: o seu representante, o PSDB.

Esta frente de centro-esquerda deveria ser capaz de apresentar um programa factível, digno de credibilidade, para um povo acostumado com promessas milagrosas, a ser efetivado através de propostas concretas de governo, como viraram o Bolsa-Família ou o PAC. E o PT tinha essa legitimidade, afinal, onde governou, na ampla maioria dos casos, logrou mobilizar recursos para a área social e democratizar o funcionamento da máquina pública, apesar de todos os limites federativos para transformações mais profundas.

Este é o marco histórico que organizou a maioria do petismo: formatar um partido capaz de aproveitar todas as oportunidades desta situação em termos eleitorais e de mobilização social e, no governo, dirigir a luta por transformações consistentes na sociedade brasileira.

O vigoroso “balanço da década” resulta do balanço da estratégia

A estratégia de centro-esquerda e das amplas alianças, com maioria no Congresso nestes termos reduzindo resistências sociais, nos permitiu, em dez anos, promover um choque de direitos, que pôs em desenvolvimento um estado de bem-estar social no país a partir da retomada do planejamento do desenvolvimento, cujo desfecho está em disputa.

Se existe hoje uma direita truculenta emparedada é justamente pela estratégia aprovada na “Era José Dirceu” e pelos resultados da governança dela, exercida pelo maior líder popular da história do país e sua sucessora.  É pelos resultados da governança dessa estratégia que hoje é pulsante um nacionalismo popular entre nosso povo.

Os que romperam com este projeto passam pelo mais vil isolamento, a ponto de terem que recorrer a alianças heterodoxas sob a condição de minoria político-ideológica no campo formal das esquerdas, e fazerem concessões programáticas sem estar na direção de um processo real de transformações sequer em nível local.

Dentro do campo governista, a fulanização da crítica escamoteia que todas as principais lideranças públicas do país tem legitimidade nas urnas. Este é mundo real. Para mudá-lo é preciso alterar as bases sobre as quais emerge a soberania popular: o sistema político-eleitoral e o papel da mídia comercial na formação da opinião pública.

Ocorre que passados 10 anos de tantos avanços e ser o PT o maior partido da Câmara, o mais votado proporcionalmente em nível federal ou, em termos municipais, administrar a maior população e o maior orçamento somados, a esquerda ainda ganha eleição para a Presidência da República com “54%” dos votos. Embora haja uma oposição 34% menor na Câmara e 50% no Senado, segundo a reportagem “Oposição muda estratégia para tentar influir “ (Valor Econômico, 28/01/13), na era FHC os textos originais do governo foram aprovados em metade das vezes. Já nos anos Lula, somente 35% das propostas passaram sem alterações.

Logo, a estratégia de centro-esquerda não atingiu seu limite e está longe de esgotada. Afirmar o contrário é ter aprendido pouco com a lição da crise fabricada de 2005 (“mensalão), com o destino de Lugo e Zelaya, derrubados por falta de apoio institucional, e com a apertada margem de vitória do novo presidente venezuelano, Nicolás Maduro. A crença de que é possível enfrentar a ditadura do capital financeiro sem mudar ainda mais profundamente o país e o flerte com o caminho da auto-proclamação e auto-suficiência enquanto representação da cidadania são aventuras. A direita truculenta sabe disso e a maior prova foi a campanha recente contra os novos presidentes peemedebistas do Senado e da Câmara, visando rachar PT e PMDB.

A capacidade organizativa do PT para lutar pelo socialismo se ampliou em muito com o Processo de Eleição Direta (PED) das instâncias partidárias, com o resultado de suas políticas públicas nacionais e locais, aumentando as possibilidades de coesão social. Todavia, a experiência recente no caso do julgamento da Ação Penal 470 e a ofensiva midiática para desmoralizar o Congresso Nacional, devem-nos fazer refletir sobre a importância da mobilização popular e de uma governabilidade ampliada, com possibilidades maiores em sua efetividade após a extraordinária mobilidade social propiciada pelas políticas sociais e reorientação da economia promovida por Lula e Dilma.

Restam ainda vários governos neoliberais a rodar a engrenagem da mudança geral do país para trás a serem questionados nas ruas e nas urnas, para além das mudanças pendentes. Os vistosos números e temas das conferências nacionais realizadas desde 2003 devem se conectar com as expressões das escolhas estratégicas de governo, como o PPA, a LDO e LOA.

O PT esta sendo capaz de ser a direção desse Bloco Histórico pós-neoliberal e tem a responsabilidade de seguir dando o rumo do desenvolvimento brasileiro, evitando retrocessos ou seu congelamento. O dinamismo dentro dessa frente explica suas lutas internas. Ensaios de candidaturas da base governista, neste momento, explicitam essa luta sobre os rumos como alternativas às iniciativas do PT de aprofundar as experiências democráticas.

A questão colocada, portanto, não é uma estratégia menos conciliatória ou um programa mais radical do ponto de vista doutrinário e sim construir a narrativa correta do balanço da década à frente do governo federal, para apresentar com clareza, para a base social e aliada, os caminhos a serem trilhados, e para atualizar o Modo Petista de Governar, viabilizando alianças que assegurem maioria para novos passos, ainda que não sejam expressões da integralidade programática atualizada. Ao cabo: fazer o povo exigir mais de nós e construir com a coalizão institucional e social - com unidade – a vontade, o momento e o modo de avançar.

A Revolução de 30 foi completada com a Constituição Cidadã de 1988. O desafio agora é completar a Constituinte, obstruída em sua plenitude pelo Centrão, que assegurou a transição conservadora e a Nova República. O atual processo de transição geracional só terá algum sentido se, mais do que renovador do socialismo-desejo, representar passos seguros e firmes em aprofundar as tendências históricas da sociedade brasileira, sempre interrompidas pela direita entreguista e sem-voto: de grandes movimentos por reformas sociais e debates públicos, seguidos de escolhas democráticas em torno do sonho do desenvolvimento soberano.


Leonardo Pinho é Membro do Setorial Nacional de Economia Solidaria do PT e Coordenador de Cooperativismo Social da Unisol Brasil.

Leopoldo Vieira é Assessor Especial da Secretária de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Coordenador do Monitoramento Participativo do PPA.

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